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Memória descritiva – «O Sonho de Jacob»

O novo painel de azulejos surgiu de uma encomenda da Junta de Freguesia de Carregosa para adorno da nova construção anexa ao cemitério e espaço envolvente da entrada do mesmo. Este painel de azulejos faz alusão ao «Sonho de Jacob». Trata-se de um painel cujas dimensões são de 2 metros e 75 cm de altura por 2 metros e 60 de largura composto por 306 azulejos que perfazem a totalidade do painel figurativo. A pintura do painel segue uma linha estética já demonstrada nos trabalhos do artista. Tendo em conta as limitações da técnica que se prendem com a arte azulejar, a figuração que apresenta pretende estreitar laços com o realismo. As representações das figuras e do próprio cenário foram baseadas na expressividade patente nas leituras bíblicas e nas características naturais humanas. Neste painel podemos observar a personagem de Jacob deitado em primeiro plano, os anjos que fazem a intermediação entre a terra e o céu e o cenário de uma paisagem semiárida com a presença de arbustos que caracterizam o clima do médio oriente. Por se tratar de um painel com dimensões consideráveis, é necessária alguma distância para este ser visto no seu todo e assim ser compreendido, mas, ao mesmo tempo, este inclui pormenores que permitem-nos aproximar do painel e ter continuidade na sua leitura.
O tema: «O Sonho de Jacob», retirado do antigo testamento, assume em boa medida, uma neutralidade religiosa. A inspiração enquanto carisma divino traduz-se na ação de Deus em elevar e completar as faculdades executivas do escritor sagrado para que ele escreva tudo e só aquilo que Deus quer que seja fielmente transmitido. As principais religiões consideram inspirados os livros do Antigo Testamento, sendo este um ponto de confluência e aceitação, não ferindo o painel a maioria das crenças existentes no mundo (cristianismo, islamismo, judaísmo). Além disso, e independentemente do aspeto religioso, o tema consente a análise de uma forma subjetiva permitindo uma leitura diferenciada e particular aos olhos do observador. Assim sendo, o tema exposto, não pretende ditar ou impor informações ou normas religiosas, mas antes permitir e dar liberdade à interpretação individual, sendo este um fator de riqueza interpretativa do tema, aos olhos de qualquer homem, mulher ou criança seja qual for a sua cor, raça ou religião.
O episódio do sonho de Jacob, retratado no Antigo Testamento, mais propriamente no livro de Génesis (28, 10-22), descreve-nos que, depois de ter fugido de uma luta com seu irmão Esaú, Jacob chegou a um determinado sítio e resolveu passar ali
a noite; com a cabeça apoiada sobre uma pedra que lhe servia de travesseiro e, dormindo sob o céu estrelado, viu em sonhos uma escada apoiada sobre a terra cujo topo alcançava o céu. Nessa escada, Jacob via os anjos que a subiam e desciam continuamente e, encontrando-se no seu topo, Deus prometeu-lhe a bênção de uma numerosa e feliz posteridade. Quando ele acordou, sentindo-se grato e ao mesmo tempo atemorizado, consagrou o local com o nome de Betel (“casa de Deus”). A simbologia da escada está profundamente ligada à intermediação entre a Terra e o céu, à ascensão e à evolução de natureza espiritual. Os degraus representam as virtudes humanas e as várias etapas a ultrapassar para se atingir o divino. A escada é por isso um meio de evolução pessoal e ascensão espiritual e por isso pode ser considerada uma forma de metodologia; desafios espirituais a serem ultrapassados em sucessivos degraus. De acordo com o pensamento de Aldous Huxley, ilustre escritor e filósofo inglês, o degrau da escada não foi inventado para repousar mas apenas para sustentar o pé durante um certo período de tempo, o necessário até alcançar o próximo e colocar assim o homem num patamar superior. A paragem no mesmo degrau por demasiado tempo faz surgir o comodismo e a jactancia. A escada representa, portanto, a vida humana e os anjos o alento, descendo em compaixão e subindo resgatando a alma humana em direção aos céus. A progressão da alma pelos degraus da escada resultam num aumento na virtude e na viagem da alma após a morte, subindo aos céus em direção à luz de Deus. Em súmula, esta obra simboliza a humanidade, o caminho, trabalho e cansaço, a capacidade de sonhar/transfigurar-se, o progresso moral e intelectual através das escadas do tempo em direção à luz.